“The Last of Robin Hood”

Não há melhor maneira de limpar o pó a esta casa do que começar por falar num filme que retrata os últimos anos de um dos maiores figurões do grupo de actores a que gosto de chamar misfits. Claro, não era um James Dean nem um Marlon Brando, mas nem sempre são as personagens que um actor representa que os tornam merecedores do chavão. Por vezes são as suas atitudes quanto indivíduo. E é assim que chegamos, senhoras e senhores, a Errol Flynn, herói romântico de filmes de capa e espada, o mais famoso dos quais Robin Hood (1938).

A reputação de Flynn fora do ecrã contrastava em toda a sua totalidade com a imagem de galã que representava com frequência. Tinha sérios problemas com álcool e possivelmente drogas e era completamente amoral quanto a mulheres. O actor David Niven, na sua autobiografia The Moon’s a Balloon, conta como o próprio filho de Flynn se recusava a falar do pai mesmo após a sua morte.

The Last of Robin Hood mostra-nos então um dos capítulos mais controversos da vida do actor que coincidiram, fatalmente, com os seus últimos anos de vida.

O filme centra-se, então, no último caso amoroso de Flynn. A jovem em questão era Beverly Aadland, uma aspirante a actriz com apenas quinze anos. O filme mostra-nos como, apesar da chocante diferença de idades entre ambos, o casal parecia ter uma relação genuína baseada em carinho e afecto e não apenas em atracção sexual por parte de Flynn ou ambição por parte de Beverly. Claro que um filme sobre um actor/actriz tende sempre a glorificá-lo aos olhos do espectador, pelo que tenho a certeza que não era tudo tão cor-de-rosa. O que é certo é que a relação teve repercussões que se estenderam até à vida familiar de Aadland que, já por si, não era propriamente ideal, com uma mãe alcoólica que via na filha a estrela de cinema que ela nunca conseguira ser. O filme vai um pouco para além da morte de Flynn para nos mostrar como as Aadland lidaram com a situação. Curiosamente, Beverly lidou com tudo de forma muito mais adulta que a mãe.

Não é um filme exemplar, claro. Pretende apenas ser informativo, mostrar um pouco de um dos maiores escândalos da privada de um dos mais célebres ícones de Hollywood, tentar atenuá-lo um pouco e tentar passar um pouco a sensação de como seria estar na pele tanto de Beverly como de Florence. Os actores fazem bons papéis mas, novamente, nada de exuberante tirando, talvez, Kevin Kline – as semelhanças físicas com Flynn são evidentes e adoptou bem os seus maneirismos e expressões “de marca”, digamos assim. Quanto ao resto, tudo mediano.

Recomendo apenas para quem gosta de cinema e tem interesse em saber um pouco mais sobre Flynn. Porque lá está, nenhum relato é totalmente imparcial. É um filme que satisfaz uma certa curiosidade mas que não nos mata a sede: queremos continuar a saber mais sobre este homem simultaneamente tão amado pelo público e tão perdido em vícios. A perfeita assimetria entre o sonho projectado pelos filmes que fazia e a sua vida pessoal.

Nota: O neto de Errol, Sean Flynn, filho de Rory Flynn, aparece por muito pouco tempo no filme. Procurem pelo nariz aquilino de Flynn e darão com o rapaz.

“The Goldfinch” – Donna Tartt

Este é o meu penúltimo livro da lista “a Rita vai ler o que foi galardoado em 2013”. Em princípio. Não, minto. Deve ser o ante-penúltimo. Bom, não interessa. Tinha começado a ler o The Luminaries, galardoado com o Booker Prize, mas sempre que passava pela estante e via este passarinho a olhar para mim sentia-me tentada. E assim foi. Engraçado ter sido a imagem do pássaro que me fez sentir curiosidade quanto ao livro, tendo em conta a ligação que alguns personagens do livro têm com a mesma imagem.

Theodore Decker é atingido pela tragédia ainda novo quando a mãe morre num atentado. Também ele vítima do mesmo, ao tentar encontrar uma saída, tropeça no corpo de um velho que ainda respira. Estabelecem ambos uma ligação alimentada pela urgência dos últimos momentos antes da morte e o velho insta Theo a tirar do museu um pequeno quadro, de nome The Goldfinch. Theo, na confusão do momento, fá-lo, sem se aperceber que está a roubar um trabalho artístico de enorme valor. Para ele o quadro simboliza uma ténue e derradeira ligação com a mãe e, ao longo do tempo, será sempre algo que o reconforta e com a qual se identifica, pois o resto da vida de Theo tudo tem em comum com o pequeno pássaro acorrentado a um poleiro, sem conseguir sair, sem conseguir mudar. Theo cresce em casa de uma família nova-iorquina abastada até o pai o levar para Las Vegas. Aí, entra numa espiral de álcool, drogas e comportamentos erráticos. E são as vivências e ligações humanas de Theo em Las Vegas que maior impacto terão na sua vida adulta.

Há livros com setecentas páginas que demonstram a incapacidade do autor/a em compactar a narrativa. Neste caso, as setecentas páginas são necessárias. Narram a vida de um rapaz cuja felicidade lhe foi roubada e que viveu toda a vida na ténue linha entre o certo e o errado. Tirando a história em si e os pequenos e deliciosos detalhes sobre pintura, arte, restauro e comércio de antiguidades, a própria escrita é das mais claras e straight to the pointque tenho apanhado, com visões interessantes sobre a vida e as relações humanas. Tartt dá à sua escrita ainda um tom nostálgico, de algo perdido que nunca pode ser recuperado e que só pode ser vislumbrado no quadro. Destaco sobretudo o último capítulo que apelará aos fãs do género stream of consciousness.

Duas coisas antes de terminar isto: um bocadinho de informação gira e algumas citações. Primeiro a informação gira.

The Goldfinch é um quadro real pintado em 1654 por Carel Fabritius, um mestre holandês não muito reconhecido hoje em dia devido ao facto de um incêndio ter destruído grande parte das suas obras. Foi um percursor da geração de pintores de Delft, como Vermeer, por exemplo. Pronto, assim ficam a saber.

Citações:

Only what is that thing? Why am I made the way I am? Why do I care about all the wrong things, and nothing at all for the right ones? Or, to tip it another way: how can I see so clearly that everything I love or care about is illusion, and yet–for me, anyway–all that’s worth living for lies in that charm?

A great sorrow, and one that I am only beginning to understand: we don’t get to choose our own hearts. We can’t make ourselves want what’s good for us or what’s good for other people. We don’t get to choose the people we are.

Because–isn’t it drilled into us constantly, from childhood on, an unquestioned platitude in the culture–? From William Blake to Lady Gaga, from Rousseau to Rumi to Tosca to Mister Rogers, it’s a curiously uniform message, accepted from high to low: when in doubt, what to do? How do we know what’s right for us? Every shrink, every career counselor, every Disney princess knows the answer: “Be yourself.” “Follow your heart.”

Only here’s what I really, really want someone to explain to me. What if one happens to be possessed of a heart that can’t be trusted–? What if the heart, for its own unfathomable reasons, leads one willfully and in a cloud of unspeakable radiance away from health, domesticity, civic responsibility and strong social connections and all the blandly-held common virtues and instead straight toward a beautiful flare of ruin, self-immolation, disaster?…If your deepest self is singing and coaxing you straight toward the bonfire, is it better to turn away? Stop your ears with wax? Ignore all the perverse glory your heart is screaming at you? Set yourself on the course that will lead you dutifully towards the norm, reasonable hours and regular medical check-ups, stable relationships and steady career advancement the New York Times and brunch on Sunday, all with the promise of being somehow a better person? Or…is it better to throw yourself head first and laughing into the holy rage calling your name?”

“…as we rise from the organic and sink back ignominiously into the organic, it is a glory and a privilege to love what Death doesn’t touch.”

“When I looked at the painting I felt the same convergence on a single point: a glancing sun-struck instance that existed now and forever. Only occasionally did I notice the chain on the finch’s ankle, or think what a cruel life for a little living creature–fluttering briefly, forced always to land in the same hopeless place.”

“Well—I have to say I personally have never drawn such a sharp line between ‘good’ and ‘bad’ as you. For me: that line is often false. The two are never disconnected. One can’t exist without the other. As long as I am acting out of love, I feel I am doing best I know how. But you—wrapped up in judgment, always regretting the past, cursing yourself, blaming yourself, asking ‘what if,’ ‘what if.’ ‘Life is cruel.’ ‘I wish I had died instead of.’ Well—think about this. What if all your actions and choices, good or bad, make no difference to God? What if the pattern is pre-set? No no—hang on—this is a question worth struggling with. What if our badness and mistakes are the very thing that set our fate and bring us round to good? What if, for some of us, we can’t get there any other way?”

Não sei se já existe tradução para português (e se e quando existir será com o Acordo). Leiam-no. Algo me diz que será relembrado por muitos anos.

“Dallas Buyers Club” – 2013

Tinha uma ideia completamente errada sobre este filme. Ao ver o título, assumi de imediato que se tratasse de uma versão texana do Wolf of Wall Street. Depois dos Globos, fiquei com alguma curiosidade, ainda assumindo que fosse mais um filme sobre fraudes económicas. Mas depois li a sinopse e aconteceu o que costuma acontecer comigo: não consegui esperar um segundo até o ver.

O filme começa em 1985, quando se soube que Rock Hudson estava doente com SIDA. Ron Woodruff é um texano de gema, amante de bull riding, mulheres e droga. Um dia é-lhe diagnosticado o vírus HIV e é-lhe dito que tem apenas trinta dias para viver. Ron descobre que a indústria farmacêutica está a começar a testar o AZT em humanos e consegue obter alguns exemplares ilegalmente, apenas para descobrir que o medicamento apenas lhe destrói ainda mais o sistema imunitário. É-lhe indicado um médico alternativo no México que, através de vitaminas e outros suplementos consegue prolongar o tempo de vida dos doentes de SIDA. E é aí que a ideia de montar um negócio quid pro quo: importa estes medicamentos alternativos e vende-os a doentes de SIDA da sua região em troca de grandes somas de dinheiro por parte destes para serem membros deste “clube”. Outras personagens são Eve, uma médica que também está contra a introdução de altas doses de AZT nos pacientes e que admite que a medicina alternativa de Ron funciona e Rayon, um transsexual também doente e com problemas de droga.

A história só por si é interessante: não só por ser um caso verídico mas por mostrar como funciona a indústria farmacêutica cujo único interesse é introduzir drogas caras no mercado independentemente dos seus efeitos (as primeiras doses de AZT tinham como efeito secundário cancro, perda de medula, entre outros) e a luta de um homem que descobriu uma “cura” alternativa que nunca seria aprovada pela FDA mas que produzia efeitos visíveis. Por exemplo, Ron viveu sete anos quando lhe foram diagnosticados apenas trinta dias. Mas este é também um filme de representações pungentes. Nunca esperei ver Matthew McConaughey encarnar tão bem um papel; aliás, nunca esperei gostar de o ver num filme. Mas a sua prestação é isenta de falhas. Não é forçada. É simplesmente humana, e o crescimento pessoal de Ron, ao ver a realidade da doença que o assola, e interessantíssimo de ver. Quanto a Jared Leto, é bom voltar a vê-lo no ecrã. Nunca o achei mau actor (Requiem for a Dream, anyone?) e contribui aqui com o factor humano.

O desfecho é previsível, claro e infelizmente, mas foi bom saber que a FDA começou a administrar AZT em doses bastante mais baixas, o que reduzia os terríveis efeitos colaterais, combinadas com outro tipo de medicamentos. Portanto a luta de Ron não foi de todo em vão.

Leonardo, adoro-te, sou tua fã desde os onze anos (embora aos onze anos não fosse propriamente pelos teus méritos como actor…) mas tens aqui competição séria. Bem séria. E sinceramente acho que o Matthew se tornou no meu novo favorito para a estatueta. Embora fique super contente se ganhares.

“Carrie” – 2013

Acabei agora de ver o remake de uma das minhas histórias favoritas. Um remake que acho desnecessário mas que aguardava com alguma expectativa.

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Este poster está genial. Adiante.

Não conheço o livro do Stephen King mas vi a versão do Brian dePalma e adorei. Não vejo Carrie como uma história de terror, como quase toda a gente insiste em dizer que é. Para mim, Carrie é um hino àqueles de nós que fomos humilhados na adolescência, uma espécie de oferenda de gratificação imaginária. Porque é impossível não sorrir quando ela perde noção do que está a fazer. Até torcemos por ela. A história é conhecida de todos: Carrie White, filha de uma fanática religiosa – maravilhosamente retratada nesta versão por Julianne Moore – é a rapariga esquisita da escola, que se torna alvo de todas as atenções quando, um dia, nos balneários, lhe vem o período e ela reage de forma histérica. A nova versão aproveitou-se das novas tecnologias não disponíveis no tempo de dePalma para tornar essa humilhação mais pungente. Algumas colegas são suspensas devido a isso e planeiam vingar-se. Ao mesmo tempo, Sue, uma típica girl next door, não consegue deixar de sentir compaixão pela situação de Carrie e tenta dar-lhe um momento de sonho ao pedir ao namorado que a convide para o baile de finalistas.

Como já referi, o remake era desnecessário. A versão original tem todos os elementos necessários e conta com uma espectacular e angelical Sissy Spacek. Mas esta versão não deturpa o original. É um remake inocente, uma história de bullying nos dias de hoje, bem realizado e com uma Chloe Moretz no seu melhor papel até à data. Portanto vou escrever uma grande calamidade: o original é mais simbólico mas se preferirem ver esta versão não perdem o núcleo da história. Talvez este se debruce mais sobre a relação mãe-filha, mas é apenas isso. A idade da Chloe também está mais perto da idade original da Carrie, o que ajuda bastante.

E é aquela gratificação. Quem me dera, aos treze anos, ter os poderes da Carrie e fazer exactamente o que ela fez. Se algum dia lerem isto, meus filhos da mãe, imaginei as vossas caras esmagadas contra o vidro do carro. E desejei que também ardessem. E que a vossa vida hoje seja um inferno.

“Kuroi Ame [Black Rain]” – 1989

Black Rain é um filme nipónico realizado por Shohei Imamura e que tem como principal foco a vida de uma família após ter sido afectada pela radiação causada pela bomba nuclear em Hiroshima.

A família retira-se para uma pequena aldeia onde também residem outros sobreviventes com a possibilidade de desenvolver consequências físicas causadas pela radiação. Dá a entender que foram erradicados da sociedade devido ao que presenciaram, como se fossem contagiosos. Formam-se laços de companheirismo entre os vários habitantes da aldeia mas, aos poucos, as pessoas começam a morrer de doenças relacionadas com a radiação e nem a família protagonista consegue escapar, sendo a situação da sobrinha a mais drástica.

É um filme com um ritmo calmo, como é habitual nos filmes japoneses (por favor provem que estou errada) e com algumas alusões interessantes ao erro crasso que foi a bomba e à teimosia revelada por uma Humanidade que pura e simplesmente não está interessada em aprender com o passado.

Sendo honesta: não me fez sentir nada. Se querem algo absolutamente incisivo sobre o tema, recomendo vivamente o documentário White Light/Black Rain: The Destruction of Hiroshima and Nagasaki. Tem entrevistas a sobreviventes que contam como ser vítima da bomba é basicamente sinónimo de ostracização.

“Detachment” – 2011

Adrien Brody interpreta um professor substituto chamado Henry Barthes.

“Whatever is on my mind, I say it as I feel it, I’m truthful to myself; I’m young and I’m old, I’ve been bought and I’ve been sold, so many times. I am hard-faced, I am gone. I am just like you.”

 

Embora se entenda pelo desapegar que dá título a este filme uma sensação de distanciamento da realidade – o que, de facto, se comprova em certos segmentos da longa-metragem -, é importante depreender dessa mesma sensação uma ideia de mudança circular, e não fixa ou intemporal; no máximo dos máximos, é intermitente.

O filme acompanha aproximadamente três semanas na vida de Henry Barthes enquanto se move de escola em escola como professor substituto, nunca podendo criar laços com o corpo docente ou os alunos – um apegar, diga-se, até dar entrada provisória numa das piores escolas do estado. Os professores, tal como os alunos, são susceptíveis a surtos de raiva e dor, de desistência e mágoa, visto estarem à beira de perderem o emprego devido à qualificação estadual do estabelecimento de ensino ser das mais baixas dos últimos anos, e também em risco de perderem e a sanidade devido a cada um dos seus problemas pessoais (problemas maritais, farmacêuticos, entre outros).

Sem que haja grande interferência com o enredo, há monólogos oportunos de Henry sobre o seu próprio desenvolvimento como professor, como ser empático (ou não) ou como simples humano. Trata-se de uma abordagem directa ao âmago psicológico do personagem que, embora secundária, complementa o olhar do espectador a todas as partes do filme e cerra o intuito das acções tomadas ao longo do espaço temporal.

Torna-se evidente que este filme é um claro progresso desde o grande American History X, principalmente devido ao muito desejado afastamento de Tony Kaye das atitudes estereotípicas que tanto mancharam o lançamento do filme (pesquisem sobre Tony Kaye + Humpty Dumpty ou sobre todo o processo de produção e lançamento do AHX. Logo após, notem que Tony Kaye é judaico). No entanto, tal como o realizador se tornou maduro nas próprias aproximações cinematográficas, também no enredo se nota uma coesão maior, mais circunscrita e sobretudo cortante nas relações dos personagens; sendo o maior e mais importante deles todos a própria escola.

Há momentos de apatia, de redenção e de (des)apegamento com todo e qualquer interveniente no filme, e é isso que o torna um exemplo tão claro de uma mescla da realidade com ficção, pois temos acesso não só às reacções psicológicas e emotivas dos mesmos, mas também às físicas e (em infelizes casos) fatais.

Detachment é um colosso do cinema que não se deve negligenciar. Perguntem-se a vós mesmos o que é o (des)apegamento, mas antes disso: vejam este filme.

“Blue is The Warmest Colour” – 2013

Demorei algum tempo até ganhar coragem para escrever este artigo porque, primeiro, sou péssima a escrever críticas e segundo, sou péssima a escrever críticas sobre filmes dos quais gostei. Mas algum dia tinha que ser para este cantinho não cair em desuso. Portanto, podemos dizer que Blue is the Warmest Colour, ou La Vie d’Adèle, no seu título original, é um dos filmes sensação deste ano. Não só pelos prémios merecidos que ganhou mas também pela temática: duas raparigas que se encontram, apaixonam, e a câmara vai acompanhando a sua relação. Devo também dizer que o filme se baseia numa graphic novel que faço todas as intenções de ler.

O filme tem sido centro de atenções também pelo motivo errado: as cenas de sexo. Sim, são explícitas. Muito explícitas. Mas não são cenas de sexo lésbico feitas para atrair o público masculino, como a cena entre Mila Kunis e Natalie Portman em The Black Swan que não encaixou em nada. São cenas íntimas, puras, intensas tal como o sexo o é numa relação entre duas pessoas que se amam. Há cenas tão íntimas no filme – e não só a nível sexual – que o espectador por vezes se sente envergonhado por estar a assistir a uma dor tão real. E depois há os planos. Cada lágrima, cada sorriso, cada troca de olhares, cada silêncio estão retratados com um realismo brilhante.

O amor é o que é. Adèle e Emma descobriram-se e viveram o seu tempo juntas. Preferia que o filme tivesse seguido a graphic novel para adicionar uma carga (ainda) mais emotiva mas, se virmos os dois meios como algo dissociado, o filme acaba por nos dar uma perspectiva mais realista daquilo que pode ser um relacionamento.

Resumindo: íntimo, apaixonante, constrangedor pelas emoções à flor da pele das personagens nas alturas de dor, realista e com duas interpretações inesquecíveis. Para mim, um dos filmes do ano.

“To Have and Have Not” – 1944

Consegui finalmente ter um tempinho para acabar este filme (tinha-o começado durante a semana passada mas, no meio de faculdade e remédios e neuras…). E, bem, este filme tem uma coisa curiosa.

Como se pode ler em qualquer página dedicada ao cinema, a história centra-se em Harry Morgan, um americano expatriado na ilha Martinica, que efectua o transporte ilegal de líderes da Resistência Francesa para tentar ajudar a belíssima rapariga que conhece no lobby de um hotel. Como já devem ter calculado, Bogart é Harry Morgan e Lauren Bacall faz as vezes de femme fatale. Realizado por Howard Hawks, o filme conta com um argumento de William Faulkner e Ernest Hemingway, entre outros. Sim, leram bem, William Faulkner e Ernest Hemingway. Mas esta não é, surpreendentemente, a coisa curiosa.

A coisa curiosa é que, independentemente do excelente argumento e da boa realização, o que faz o filme é a química entre Bacall e Bogart. To Have and To Have Not foi o primeiro filme de Bacall, embora ela seja tão, tão boa actriz que nem se nota. E ganhou não só sucesso como actriz como também ganhou um marido. Lauren conquistou completamente Bogart, como é sabido. E este filme retrata o desenrolar desse romance. E é uma coisa tão óbvia que por vezes se torna indecente de ver por ser uma ligação tão íntima, tão pessoal. Bogart mostra-nos um sorriso bestial sempre que olha para Lauren. Ela, por sua vez, não consegue esconder o brilho nos olhos e aquele sorriso irónico que tão bem a caracteriza. É a arte a imitar a vida real no seu melhor exemplo. Resta-nos apenas imaginar como seria por trás das câmaras.

O filme é caracterizado como pertencendo ao género noir mas não consigo concordar. Primeiro, a história apresenta uma forte vertente moral. Segundo, não temos a femme fatale a estragar as voltas ao personagem principal. E terceiro, aqui as emoções não estão de todo contidas. Pelo contrário. Recomendo vivamente para quem se interessa pela idade de ouro de Hollywood e por um dos seus casais mais populares. É quase ternurenta a forma como vimos a sua relação nascer.

“The Fault In Our Stars” – John Green

Sou uma pessoa que gosta de fazer pequenos apartes na literatura pesada para acompanhar as modas e saber o porquê de tanto alarido. Não gosto de julgar algo sem conhecimento de causa (nunca me canso de dizer que li a saga Twilight toda para ver como era e assim que acabei vendi os livros) e, sendo frequentadora assídua do site Tumblr, era impossível escapar a tudo o que rodeia John Green – sobretudo porque o Tumblr está povoado com o público alvo de Green, os chamados young adults. Ajudou também estar em vésperas de uma frequência horrível.

Hazel Grace tem cancro desde pequena. Sobreviveu a uma crise quase por milagre e agora vive com os pulmões desfeitos, fazendo-se sempre acompanhar de bombas de oxigénio. Um dia, num grupo de apoio, conhece Augustus Waters, sobrevivente da mesma doença. Estabelece-se de imediato uma ligação extremamente forte e ambos vão viver os meses mais intensos das suas vidas. Claro que, tratando-se de um livro cujos personagens são doentes, a tragédia acontece.

Honestamente, fiquei agradavelmente surpreendida. A escrita é do mais simples que pode haver, disso não há dúvida. Mas fiquei feliz por os jovens adultos terem algo assim para ler. Porque a mensagem que The Fault in Our Stars transmite é fortíssima e é muito, muito importante que esta seja apreendida desde tenra idade. Por isso, saludo John Green. A história é triste desde o princípio ao fim mas não faz disso a sua imagem de marca. Há felicidade no meio desta tristeza e é isso que o livro transmite: a preciosidade que é viver. Nada mais do que isso.

O livro está actualmente a ser adaptado para o cinema pela mão de Josh Boone. Shailene Woodley, estrela adolescente em ascensão, interpretará o papel de Hazel – para o qual já cortou radicalmente o cabelo. William Dafoe também tem um pequeno papel. O filme estreará no próximo ano.

Não tenho grande interesse em ler o resto da obra publicada de John Green. Não é um tipo de literatura que me encha as medidas e, segundo me disseram, este é mesmo o melhor deles. Mas fiquei mesmo muito, muito feliz por haver um tão bom exemplo a seguir pelos mais jovens.

“Frances Ha” – 2012

Estava cheia de curiosidade em ver este filme desde que li a crítica na revista Empire (versão inglesa, claro, porque a portuguesa se limita a traduzir artigos e isso é… bem, é foleiro). Vi-o finalmente ontem. E, claro, fiquei desiludida.

Embora o filme esteja registado como sendo de 2012, foi somente este ano que começou a andar pelas bocas do povo. Realizado por Noah Baumbach (The Squid and the Whale, Margot at the Wedding), Frances Ha conta com um argumento escrito pelo mesmo e por Greta Gerwig, actriz que dá corpo à personagem principal.

Frances é uma rapariga de vinte e sete anos como muitas de nós: licenciada numa área artística e aspirante a bailarina não consegue criar um mundo seu. Salta de apartamento em apartamento e vê as oportunidades de um emprego sólido constantemente vedadas. A própria relação com a melhor amiga sofre consequências quando esta assume o que é esperado de uma vida adulta e Frances continua a perpétua adolescente. O que mantém Frances à tona é a sua permanente boa disposição e o seu espírito livre e sonhador, que a leva a tomar decisões sem medir bem as suas consequências.

Esperava mais. Quando li a crítica pensei que me iria identificar de imediato com a personagem: uma rapariga da minha idade que ainda não conseguiu encontrar o seu lugar no mundo adulto (“Sorry. I’m not a real person yet.”). Mas a minha impressão final foi de que sim, é um bom filme com um argumento bem estruturado mas não correspondeu bem à expectativa. Recomendo o seu visionamento porque é bastante simplista ao contar uma história que podia ser a de qualquer um de nós e é mais uma mostra do que bom se faz no cinema independente. Mas, pessoalmente, esperava mais.